“CONHECENDO E DESMISTIFICANDO A ABA”
por Pérola Molina e Déborah Maciel

Pérola Molina e Déborah Maciel

ABA é só para indivíduos no espectro do autismo? Os pais participam da terapia? A criança fica robotizada? Só indivíduos com TEA precisam de reforçadores? A seguir responderemos estas questões de forma rápida e clara com o objetivo de desmistificar a Análise do Comportamento Aplicada.

O que é ABA?

ABA (Applied Behavior Analysis ou Análise do Comportamento Aplicada) é uma ciência que estuda a aprendizagem a partir de leis que regem a interação do indivíduo com o ambiente. A partir de uma criteriosa análise, pode-se evidenciar quais são as consequências que mantém os comportamentos no repertório dos indivíduos, sendo então possível prevê-los, manejá-los e alterá-los (reduzir comportamentos-problema e ensinar comportamentos socialmente adequados).

ABA é um método? (MITO)

Não. ABA é uma ciência que pressupõe uma base filosófica e estratégias de intervenção baseadas em evidências científicas. Para entender porque ABA ficou conhecido como método para o autismo, devemos fazer uma breve linha do tempo que tem início na década de 30 com o lançamento do Journal of Experimental Analysis of Behavior (JABA). Entre as décadas de 40 e 50 realizou-se muitos estudos de casos em hospitais psiquiátricos com base nesta ciência. Em meados de 50 e 60 psicólogos passaram a aplicar os princípios de aprendizagem na clínica.

Ivar Lovaas (psicólogo da Universidade da Califórnia), em 1988 publicou um estudo pioneiro no qual comprovou resultados significativos com o uso da terapia intensiva para crianças com autismo.  A partir daí a Análise do Comportamento Aplicada começou a se voltar para casos de autismo. EM 1989 os indivíduos com desenvolvimento atípico tornaram-se os sujeitos privilegiados nas intervenções relatadas no Journal of Applied Behavior Analysis (JABA), chegando perto de 50% do total de artigos, atingindo 75% no ano de 1992. Em 1995 uma edição especial do JABA trouxe 82 artigos relacionados ao desenvolvimento atípico.

Os resultados positivos no uso da tecnologia comportamental no tratamento do autismo e do crescente número de pesquisas na área, fizeram com que a população começasse a entender que ABA era um “método” ou uma “técnica” criada para tratar exclusivamente o autismo, o que não é.

ABA sempre usa “reforçadores”? (VERDADE)

Sim, uma terapia em ABA sempre se utiliza reforçadores para o ensino de habilidades! Cabe aqui explicar brevemente a definição de reforçadores para a Análise do Comportamento: reforçador é toda a consequência apresentada após a emissão de um comportamento que aumenta a probabilidade de ocorrência deste. Na situação de ensino sempre que a criança fizer o que é solicitado pelo terapeuta de maneira assertiva receberá um elogio seguido de acesso a um item favorito (brinquedo) ou ficha. Aproveitamos aqui para explicar a “economia de fichas”: é um recurso visual que possibilita que a criança tenha a previsibilidade do acesso ao reforçador, o que faz com que esta se mantenha atenta e motivada a responder.

Usa muito a “mesinha”? (DEPENDE)

A mesinha é um recurso importante em intervenção ABA principalmente para crianças que não apresentam “comportamentos de aluno”, como manter-se sentado, atento ao terapeuta ou professor e aos estímulos (que estarão dispostos na mesa à sua frente com o mínimo de interferências externas), habilidades importantes para garantir maior foco atencional e consequentemente melhor rendimento nas tarefas.

ABA é benéfica para indivíduos autistas? (VERDADE)

A terapia em ABA é muito eficaz no tratamento de indivíduos diagnosticados com TEA, como ficou evidenciado no famigerado estudo de Lovaas.

Uma das principais características é o registro minucioso e frequente das respostas da criança, o que possibilita que tanto os pais quanto os profissionais possam acompanhar o desempenho e saibam se as metas estão sendo atingidas ou quais são as dificuldades. A intervenção é realizada de maneira estruturada, focando em comportamentos-alvo e todo o trabalho é feito de forma individualizada e intensiva, e este é o motivo do grande sucesso.

Os pais não participam da terapia? (MITO)

O tratamento envolve tanto a família como toda as pessoas que estão no dia-a-dia da criança. ABA se estende para além do momento da terapia, por isso é indispensável o engajamento e a participação ativa da família e demais profissionais.

Para que a terapia seja mais eficaz, todos precisam receber orientações sobre como proceder em situações específicas, principalmente as que estão sendo treinadas com o aluno. É importante que entendam também sobre princípios básicos da Análise do Comportamento, assim conseguirão olhar para seus comportamentos e consequenciá-los da maneira correta, visando a evolução de seus filhos.

ABA robotiza a criança? (MITO)

Muitas vezes, o trabalho na mesinha é associado à mecanização das respostas das crianças, mas isso é um grande mito. O que ocorre é que o trabalho com indivíduos com TEA envolve ao Treino de Tentativas Discretas (DTT) que é UMA das estruturas de ensino em ABA. O DTT é um formato estruturado que se caracteriza por dividir sequências complexas de aprendizado em “passos”, eles são ensinados um de cada vez durante uma série de tentativas juntamente com um reforçamento positivo (o que aumenta a probabilidade de ocorrência futura da resposta que está em processo de ensino) e um nível de ajuda (dica), dessa maneira é possível atingir o objetivo traçado.

No início da intervenção é importante ter um ambiente estruturado para reduzir ao máximo interferências externas, o que possibilita maior nível atencional e oferece mais consistência às instruções e às consequências dadas a determinados comportamentos. Este ambiente mais estruturado é ideal para estabelecer repertórios básicos que são de extrema importância (seguimento de instruções e atenção ao terapeuta/professor) para que posteriormente seja possível instalar os repertórios mais complexos.

Reforçador só é usado para autistas? (MITO)

Todos nós precisamos de reforço e tudo o que fazemos é para que possamos atingi-lo. Nosso dia a dia é mantido por reforço e há diversos exemplos dele: o salário no final do mês, o reconhecimento do chefe, um parabéns dos pais para fazer algo legal ou mesmo um “obrigado” após pegar algo que caiu no chão. O reforço é algo poderoso o suficiente para que façamos algo novamente e recebamos a consequência que queremos/esperamos. Se queremos o salário no final do mês, continuaremos trabalhando; se desejarmos o reconhecimento do chefe, nos motivaremos para executar o projeto e assim por diante.

Na terapia em ABA, identificamos o que é reforçador para aquele indivíduo em situações específicas (por exemplo: cócegas, quebra-cabeças, balas ou elogios) e assim os utilizaremos para a instalação de novos repertórios/habilidades.

Reforçadores são só alimentos e brinquedos? (MITO)

Em geral, principalmente no início da intervenção, se faz necessário o uso de reforçadores arbitrários (carrinhos, brinquedos, doces, frutas, cócegas, entre outros), ou seja, aqueles que não são naturais.

Se pensarmos em um indivíduo que arruma o quarto para manter a organização, estamos falando de um reforçador natural. Usando o mesmo exemplo do quarto, mas em uma situação onde os pais dizem que ao filho que só poderá sair para brincar após arrumar o quarto, então o “sair para brincar” seria um reforçador arbitrário para que a criança arrumasse o quarto.

Na terapia os reforçadores funcionam da mesma maneira. Em determinadas condições é necessário iniciarmos com o uso de reforçadores arbitrários, para que futuramente a motivação venha do reforço natural como elogios ou a própria realização da ação.

Basta ignorar comportamentos inadequados? (MITO)

É comum ouvir no contexto da terapia que os pais devem ignorar os comportamentos inadequados emitidos pelas crianças para que estes não ocorram mais. É verdade que esta estratégia funciona, mas APENAS em situações em que o que reforça este comportamento é a atenção dos pais ou de pessoas de um modo geral.

 Ignorar comportamentos de agressão a si mesmo ou a outros pode trazer riscos tanto ao indivíduo que realiza quanto aos que estão à sua volta. Se ignoramos comportamentos de fuga e esquiva de tarefas de aprendizagem estaremos reforçando essa classe de respostas, aumentando assim a ocorrência de fugas de tarefa o que impossibilita o aprendizado de novas habilidades.

Sendo assim, ignorar não pode ser uma regra geral para manejo de comportamentos disruptivos. Pesquisas ABA nos apontam diversas estratégias que são eficazes para cada comportamento de acordo com sua função, o que necessita a análise de um profissional qualificado que programará e acompanhará a evolução da intervenção a fim de reduzir a frequência ou até mesmo extinguir comportamentos socialmente inadequados.

Finalizamos aqui estas reflexões, apresentando mitos presentes no senso comum acerca da ABA, com o objetivo de informar pais e profissionais de maneira ética e comprometida com a produção e disseminação de práticas baseadas em evidências científicas no tratamento de indivíduos TEA.

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